7 de abr. de 2003

O TIME DO NELSINHO



As atribulações dos últimos -- quantos? onze? -- anos fizeram de todos nós uns rubro-negros esquisitos. Uns mais, outros menos. Mas quase todos céticos quando fatos concretos, palpáveis, parecem indicar que, com um trabalho sério, a longo prazo, e perseverando naquilo em que temos acertado, podemos recuperar o brilho d’outrora. Pelo menos eu fico cá a imaginar que, no primeiro revés, nossos mui sapientes dirigentes viram tudo de pernas para o ar e abandonam o caminho reto.

Exemplo do que estou dizendo: quantos técnicos de primeira linha tivemos de 1992 para cá? Dois: Luxemburgo e -- sei que o nome causará polêmica -- Autuori. (Que me perdoem Carlinhos, Zagallo e Evaristo, que muito estimo. Mas os dois últimos, digamos assim, há tempos não falam a mesma língua dos atletas que comandam. E os sucessos do primeiro explicam-se mais pela mística rubro-negra do que por seus postulados táticos.)

Quanto duraram? Seis meses, se tanto. Um, demitido estupidamente após a derrota no Fla-Flu de 1995, num gesto bastante ilustrativo dos horizontes de curto prazo com que trabalhava o Sr. Kléber Leite. O outro teve a sua autoridade corroída pelo corpo mole de alguns atletas, comportamento criminoso que nos rendeu várias humilhações. Em ambos os casos, um certo anão pernicioso foi protagonista no jogo de bastidores que levou à queda do técnico.

Eis que, pela primeira vez desde 1997, voltamos a ter um técnico de primeira linha: inteligente, estudioso, atualizado e sabe impor sua autoridade.

Ressabiado, fico desesperado quando desconfio que nossos mui sapientes dirigentes podem inadvertidamente ter acertado uma. É o caso com o Nelsinho Batista. Ao vislumbrar pequenos progressos nessas duas semanas de trabalho, sou tomado pelo pessimismo e imagino que não vai durar. A compulsão por fazer merda é mais forte que nossos dirigentes, de Luiz Augusto Velloso para cá.

O Flamengo que venceu o Bahia hoje está longe de ser um Flamengo digno das tradições do Manto. Mas é um Flamengo já a uma distância considerável do bando que dava patadas na bola na derrota de 4 x 0 para o Fluminense.

No jogo de hoje, em mais de uma ocasião acertaram-se mais de três passes em seqüência. Continua-se errando demais, é verdade. Mas, se não é a Seleção Brasileira de 1982, também não é aquela esculhambação do Carioca, quando cada uma das escassas estrelinhas achava que ia resolver tudo sozinho, como Maradona no gol a los ingleses.

No jogo de hoje, eu vi jogadores buscando desmarcar-se, buscando o espaço vazio em vez de esperar desse nosso meio-campo o milagre de um passe do Zico a cada vinte minutos. Se não foi a Laranja Mecânica -- melhor, se não foi o Flamengo dos overlappings e pontos futuros do Coutinho --, também não foi aquele achincalhe do Carioca.

No jogo de hoje, eu vi o lateral esquerdo jogando de lateral esquerdo, o lateral direito jogando de lateral direito e a função de meia armador ser cumprida pelo meia armador. Se não é a aplicação tática da Alemanha de 1990, também não foi o Deus-nos-acuda do Estadual.

Ou seja, em vez de um bando, vi um time (ou o prenúncio de um time). Um time ruim, não nos iludamos. Um time com sérias deficiências na zaga e um time que se ressentirá muito da falta do Athirson ou do Felipe quando eventualmente não puderem jogar. Mas -- não peço muito mais que isso, por ora -- um time.

Um time capaz de, no máximo, fazer um papel decoroso no Brasileiro. Não peço muito mais que isso, por ora. Deixem o Nelsinho trabalhar. Um, dois anos, se for preciso. Mas não me venham com soluções bombásticas quando, depois das primeiras vitórias e do indefectível triunfalismo precipitado da nossa torcida, vierem as primeiras decepções e nos dermos conta de que esse, senhores, é um time ruim.

É que, com o perdão do lugar-comum, toda longa viagem começa com o primeiro passo. E o mal do Flamengo, de 1993 para cá, tem sido primeiros passos demais e longas viagens de menos.

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