Paris, 23:35; Rio, 18:35
AS PRELIMINARES DO DR. EURICO
Lendo os relatos da final carioca via Internet em seu exílio parisiense, o Tinhorão conclui, de si para si, que sua vida é um eterno administrar de saudades. Primeiro quando, por razões profissionais, deixou o Rio de Janeiro para instalar-se em Brasília (“o desnecessário tornado irreversível”, segundo o Millôr). Depois nas diversas vezes que, por motivos profissionais, teve de se ausentar do Brasil (uma delas durante a Copa do Mundo de 2002, que comemorou em Genebra, em meio a suíços fazendo cara de suíços diante do esporro que faziam o Tinhorão e sua namorada na Place du Bourg de Four). Agora, em Paris, também por motivos profissionais, quando toma conhecimento pela Internet do título rubro-negro.
Só que nunca antes a saudade de casa doeu tanto.
“Toma conhecimento” pode dar a impressão de que eu me conectei mui tranqüilamente às 23:00 de Paris -- horário previsto para o fim do jogo -- e me inteirei, sempre fleumático, do baile rubro-negro no Maracanã. Mas não foi nada disso: eu sofri com cada minuto de jogo. Sofri mais que os que o puderam acompanhar pela TV ou ao vivo no Maraca, porque eu só tinha, como único recurso, o relato “lance a lance” d’O Globo online. Quem já acompanhou algum jogo por esse sistema sabe o quão angustiante pode ser aquele silêncio absoluto entre a notícia do que aconteceu aos 15 minutos e a do que aconteceu aos 26.
O fato é que, graças a esse sistema, sei que o Flamengo ganhou e deu um baile no segundo tempo. Que teve porrada -- como eu gosto --, que o nosso Douglas Silva deu uma porrada nos cornos do pederasta do Claudemir... enfim, que o Flamengo ganhou na bola e no braço.
Mais não sei. Dava tudo, neste momento, para estar de volta a casa, no Rio, berrando na varanda, mandando os vascaínos tomar no cu, chamando a torcida do Vasco inteira para a porrada. Como não faço desde 2000. Dava tudo para estar na churrascaria da Barra com os amigos da Fla-Bujica, que a esta hora devem estar tomando o primeiro chope de uma série de pelo menos quinze per capita. Do outro lado do oceano, ergo uma taça solitária de Beaujolais e faço um brinde à alegria deles.
Diz a lenda que, no final da vida, já completamente cego, Nelson Rodrigues continuava escrevendo sobre futebol com aquela sua onisciência, apesar de não acompanhar os jogos senão pelo rádio. É que o Nelson era dessas figuras raras capazes de captar a essência mesma do jogo. Mesmo sem a vista, podia escrever sobre qualquer pelada com mais lucidez que os Calazans da vida.
Sem querer comparar-me ao meu guru, permito-me, ainda assim, tecer um par de comentários sobre um jogo que eu não vi nem ouvi.
É sabido que a gentalha que torce por aquela agremiação escrota de São Cristóvão nunca primou pela inteligência. Tivesse um mínimo de discernimento, torcia para o São Cristóvão F.C., do mesmo bairro. Não ganharia um carioca de vez em quando, não teria delírios de grandeza ao constatar que em seu invejável palmarès (perdoem o galicismo, essas coisas contaminam) há um caça-níqueis disputado no Chile na década de 40 ou um brasileiro conquistado contra um São Caetano que entregou o título e a dignidade com medo de voltar para a segunda divisão.
Não teria nada disso, mas não teria o supremo desgosto de ver o inimigo ter sempre mais do que ele, de ver o inimigo campeão do mundo e penta do Brasil, de perder finais para o rival tão odiado ano sim, ano também. O rival do São Cristóvão deve ser o Madureira, que não é campeão do mundo e não disputa finais, muito menos contra o vizinho e “co-irmão” do Vasco.
Seria menos glorioso mas faria menos mal para a auto-estima.
Essa volta toda para me referir ao paquidérmico Presidente do Vasco da Gama. Meu Deus do céu, será que esse delinqüente não aprendeu nada de 1999 para cá?
Em 1999, vocês hão de se lembrar, esse cavalheiro afirmou que Flamengo, Fluminense e Botafogo brigariam para ver quem era o vice do Vasco. Acabou vice ele, engolindo sua língua junto com a trolha que o Rodrigo Mendes lhe enfiou.
Em 2000, chamou o time do Flamengo de “mulambada”. Na hora de decidir, ficou provado que “mulambada” era a que vestia a camisa sem cor nem glória do Vasco da Gama, que, além de não jogar porra nenhuma nas duas finais, ainda amarelou e amarelou feio para o Flamengo.
Em 2001, posou de campeão do Brasil -- apesar de o título ter sido conquistado por default, contra um São Caetano que desistiu de brigar com medo de ser sacaneado pela corja comandada por Miranda & Zveiter -- e julgou-se, da boca para fora, muito acima dos concorrentes ao título carioca. Intimamente sabia que o título fajuto de 2000 valeria menos ainda se não se seu time não se impusesse sobre o Flamengo -- que, quando foi hegemônico a nível nacional, nunca deixou de dar umas porradinhas, a nível local, no Vasco (Rondinelli em 1978; Nunes, Adílio e o inesquecível Ladrilheiro em 1981), no Botafogo (ah, os 6 x 0...) e no Fluminense (que não decidiu nada contra a gente). Petkovic, aos 43 do segundo tempo, pôs fim aos paquidérmicos delírios de grandeza do Dr. Eurico e decretou o tri-vice.
Esta semana, o ex-deputado disse coisas impagáveis. Afirmou que "já tomara medidas para garantir o título estadual do Vasco", que seu time fora campeão já no primeiro jogo da decisão, domingo passado, que aquele time que meus correspondentes juram ser uma merda “é superior ao do Flamengo” e que – pasmem! -- já tinha comprado o chope e que a festa em Sanjanu estava preparada. (Agência Placar)
Arrematava esse amontoado de sandices afirmando que é “burro velho” (“velho”, aí, é juízo de valor), que estava “à frente do problema” -- em suma, que o título estava no bolso do Vasco da Gama.
Há poucas horas, o Jean deu três sem tirar de dentro no rabo do Dr. Eurico.
Em sexo, há quem goste de excitar o parceiro dizendo sacanagens ao pé do ouvido durante a trepada. O Dr. Eurico prefere deixar-nos em ponto de bala dizendo sacanagens à imprensa antes da trepada.
18 de abr. de 2004
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