J’ACCUSE
Muito bem, sr. Márcio Braga. A tragédia consumou-se ontem, e foi na sua gestão. Construir a hegemonia no Brasil custou doze anos, do golaço sem ângulo do João Danado ao Vovô-Garoto pulando enlouquecido, mais garoto que vovô. Destruí-la revelou-se tarefa muito mais difícil: levou dezesseis anos, e manda a justiça que se registrem aqui, com nome e sobrenome, os autores de tão bonita façanha: Luiz Augusto Velloso, Kléber Leite, Edmundo dos Santos Silva, Hélio Ferraz, Márcio Braga e de novo Kléber Leite -- passando ao largo de figurinhas menores como um Walter Oaquim, um Gilmar Rinaldi, um Anderson Barros, um Gerson Biscotto, um Michel Assef.
Como desgraça pouca é bobagem, a perda da hegemonia veio acompanhada da desclassificação do Flamengo para a Libertadores de 2009, após um ano marcado por alguns dos maiores vexames dos 113 anos de história flamenga. Não vou dar-me o trabalho de enumerá-los de novo. Basta-me registrar que, nos seis anos em que o Flamengo foi direta ou indiretamente administrado pelo sr. Kléber Leite, perdeu algo que fazia parte da sua essência: o mito do Maracanã como nossa bastilha inexpugnável.
Isso, senhor Presidente, é incomensuravelmente mais grave do que o São Paulo nos ultrapassar em número de títulos, e muito mais difícil de consertar. Pelos séculos dos séculos, toda vez que tivermos de decidir o que quer que seja nos nossos domínios, não há de faltar, do lado inimigo, quem cite o passeio do Ameriquinha do México como prova de que o Maraca lotado não deve meter medo em ninguém. E isto, senhor Presidente, é obra sua também.
O que me embasbaca, senhor Presidente, é o seguinte: estando ambos, eu e o senhor, de acordo em que o que aconteceu foi uma tragédia, e tendo ela se consumado na sua gestão, por que é que o senhor não toma atitudes, já nem digo para minorá-la, mas ao menos para punir os principais responsáveis?
Nos últimos dois ou três anos nos acostumamos a esse arranjo extravagante pelo qual o senhor reina mas não governa, e todos os atributos concretos do mando estão concentrados nas mãos do sr. Kléber Leite. Por conta disso, submetemos o Flamengo de novo a todos os vícios que marcaram o período negro entre 1995 e 1998, e que em 2008 cobraram um tributo tão pesado sobre o nosso desempenho em campo.
Ao apelarmos, de novo, à “engenharia financeira” do sr. Kléber Leite para montar times mais-ou-menos, submetemo-nos de novo ao fenômeno que arruinou as nossas chances de ser campeões este ano: o desmonte de cada time a cada “janela de contratações” aberta (e o próprio sr. Kléber Leite parece concordar com isso, como se não fosse obra sua, no triste balanço que faz de um ano esquecível).
Ou o senhor acha que um Kléberson por € 1,5 milhão vem sem condicionantes ocultos? Acha que é um fenômeno que não guarda a menor relação com o parcelamento dos direitos federativos sobre um Renato Augusto? A cada mês, uma fração maior desses direitos termina nas mãos dos mesmos intermediários que possibilitaram a vinda do Kléberson por € 1,5 milhão.
O senhor disse que o Flamengo só é forte quando monta times com maioria de jogadores made in Gávea. Não se trata aqui de concordar ou discordar do senhor. Trata-se de perguntar-lhe por que cazzo permite que seu Vice de Futebol persiga uma estratégia que vai contra tudo em que o senhor acredita. O Renato Augusto de hoje é o Sávio de ontem (que foi embora, recordemo-nos, na “engenharia financeira” que nos permitiu trazer o Romário pela enésima vez, mais um Rodrigo Fabbri e outros perebas que, juntos, não ganharam nada digno de registro no Flamengo). E, a menos que o senhor faça algo, o Renato Augusto de hoje será o Kaike de amanhã.
Que Flamengo made in Gávea, senhor Presidente, resiste à “engenharia financeira” do sr. Kléber Leite?
É esse Flamengo, de times que duram seis meses, de times sem empatia com a torcida, montados para ganhar campeonatinho carioca em cima dos fregueses de sempre, é esse Flamengo que o senhor pretende deixar a seu sucessor?
Pior: o senhor pretende mesmo fazer seu sucessor o sujeito que idealizou esse Flamenguinho movido a muita “engenharia financeira” e títulos nenhuns? Pretende mesmo aviltar ainda mais, com esse gesto, o belo legado que tinha construído entre 1977 e 1992?
O seu herdeiro-aparente já anda anunciando por aí que a prioridade, para 2009, é o campeonatinho carioca, e que para conquistá-lo “temos algumas coisas interessantes engatilhadas, mas com prazos curtos”. Não é que eu seja contra ganhar o carioca, muito menos contra reforçar um time que, por todos os parâmetros, se revelou um time de merda. O que me pergunto é se essa nova “engenharia financeira” não nos deixará ao deus-dará novamente em agosto ou setembro, passada a conquista de um estadual que cada vez acrescenta menos à nossa grandeza minguante.
O sr. Kléber Leite, eu sei, foi regularmente eleito junto com o senhor. Mas eu quero crer que, sendo o senhor Presidente e ele apenas Vice de Futebol, o senhor ainda guarda para si a autoridade suprema que lhe foi conferida pelos sócios. Autoridade bastante para cortar as asinhas de seu Vice de Futebol e desviar o Flamengo de uma anunciada rota de fracassos, em tudo semelhante à que o clube percorreu entre 1995 e 1998, sob a nefasta direção desse senhor.
Por último, eu quero crer que o senhor ainda guarda lucidez suficiente para, ao longo deste ano, apresentar-nos uma alternativa melhorzinha para gerir o Flamengo a partir de 2010. Eu cá achava, até recentemente, que o Flamengo era uma força da natureza. Hoje, eu não sei se resiste a uma terceira administração Kléber Leite.
8 de dez. de 2008
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