Cavalheiros,
sejamos francos: havia um quê de desonesto
em u Galu disputar um Mundial. Não insinuo, longe de mim, que essa gente
ressentida tenha chegado lá com a ajuda de rábulas e tapetões, que são antes o
receituário de clubes talvez menos provincianos, mas mais homossexuais. Não
aponto à execração pública o apito amigo, que sempre povoou os pesadelos e a
mitologia de quem historicamente se compraz em debitar todos os seus
fracassos, não a imperfeições suas, mas a maquinações sinistras do Eixo. Não me aventuro a falar de nada
disso, porque nada disso houve na epopéia du Galu incolor das Alterosas, do
Horto à Casa do Caralho.
A
desonestidade, aqui, não é du Galu, senhores, e não têm culpa no cartório nem o
Kalil, com seu DNA de perdedor, nem o Cuca, nem o Ronaldinho. Falo antes de uma
desonestidade estrutural do negócio
do futebol, que permite a um clube como u Galu, sem títulos de expressão nenhuns
em seu palmarès, disputar e ganhar
uma Libertadores, e com isso participar de um Mundial de Clubes.
Cavalheiros,
eu sou do tempo em que um time, para cogitar de ganhar a Libertadores,
precisava antes doutrinar, tornar-se
absolutamente hegemônico em seu
quintal. Haverá exceções a essa regra, claro: vem à mente o caso do grande time
do Cruzeiro de 74-77, que, nas finais domésticas que disputou, não pôde dobrar
o Vasco ou o Internacional (no primeiro caso, porque foi inequivocamente
sacaneado). Será o caso, também, do simpático Argentinos Juniors de 85, o Bicho de Borghi, Batista e Olguín, que
até foi campeão argentino no ano anterior, mas num campeonatinho disputado
contra o Ferro Carril Oeste, com o país e todos os clubes grandes na pindaíba,
depois da guerra das Malvinas. São esses os únicos casos que me ocorrem, quando
a Libertadores era a Libertadores.
Passou o
tempo, e os interesses comerciais aos poucos foram assenhoreando-se do futebol e
da Libertadores. E exigiram, primeiro, a presença dos clubes mexicanos —
irrelevantes mas lucrativos para a Televisa —, cada um com onze Pacos de Mierda a maltratar a pelota. (E
aqui abro parênteses para denunciar que qualquer time brasileiro que seja
eliminado por mexicanos é necessariamente um elenco contaminado por filhos da
puta. Mormente aqueles em posições de comando, como o treinador e o capitão. Sobretudo
o treinador que aparecer bêbado no dia do jogo, ou o capitão que decidir não
jogar para protestar pela inadequação dos prêmios pela conquista de
campeonatinhos estaduais. Exemplifico com uma situação meramente hipotética,
claro.) Depois, por conluio da Rede Globo, da referida Televisa e da fenecida
TyC, decidiu-se escancarar as portas, ou as janelas, para o ingresso de mais e
mais times de grande torcida do Brasil, da Argentina e do México, o que exigiu
classificar o terceiro, o quarto, o quinto de cada liga nacional.
É nesse
contexto, senhores, que de repente começam a dar-se situações insólitas como um São Caetano disputar, e graças a Deus perder, uma final em 2002; um
Once Caldas, absolutamente desconhecido do público futeboleiro, conquistar a Copa por pênaltis em cima do Boca Juniors; um Internacional, sem conquistas domésticas
relevantes desde o ano da Graça de 1979, um belo dia amanhecer campeão da
Libertadores, para espanto e estarrecimento dos desavisados; uma LDU, que,
sendo sigla, deveria disputar o campeonato das Alagoas, apresentar-se ao mundo
sodomizando o Fluminense, também ele classificado depois de ganhar uma Copinha
do Brasil diminuída pela ausência de quatro ou cinco dos melhores times do
país.
É forçoso
reconhecer, senhores, que vai uma distância de anos-luz, em mérito e em
mística, entre uma LDU, Once Caldas ou Galu e o Santos do Pelé, Coutinho e Pepe;
o Peñarol de Pedro Virgilio Rocha, Spencer e Mazurckiewicz; o Independiente de
Bochini, Bertoni e Trossero; o Flamengo de Zico, Leandro e Júnior; o São Paulo
de Raí, Müller e Cafu.
Lo que decís es tan cierto que no sirve para
nada, poderá concluir o leitor,
citando Mafalda e mudando de assunto. Pode ser. Denunciar o aviltamento, por
interesses materiais, de um esporte que um dia foi grande não nos leva a lugar
nenhum, diante do poder que continuarão a exercer o Santander, a Bridgestone, a
Televisa ou a Rede Globo (que a cada dia nos impinge o futebol nos horários
mais extravagantes, para que os anunciantes de carros e geladeiras mantenham
nossas mulheres entretidas o quanto puderem, indagando-se sobre quem anda a
arrebentar os entrefolhos do Félix ou da Valdirene).
Tudo isso é
verdade, e de fato não serve para nada. Mas não deixa de ser engraçado pra
caralho quando o beneficiário de toda essa papagaiada, um clube desprezado pelos
rivais por nunca ter ganhado porra nenhuma, passa o ano inteiro iludindo sua
torcida com uma grandeza fugaz — e de repente se choca contra a realidade
brutal ao ser atropelado por um time que, como ele, só entrou no enredo por
causa de interesses comerciais.
Diante de
tudo isso, diante de um futebol que se tornou um produto descartável e fez da
Copa Libertadores uma gloríola com prazo de validade exíguo (seis meses, se
tanto), há algo a ser resgatado nessa triste comédia? Talvez haja: a renovação
do prazer ancestral de ver o pavoroso Galu das Alterosas se foder de preto e
branco com a estrelinha cravada no olho-do-cu. Isso, senhores, não tem preço.