22 de jun. de 2008

ADVERTÊNCIA DE QUEM NÃO DEVE NADA A NINGUÉM

Escrevo estas linhas antes do Flamengo x Ipatinga desta tarde. Pode ser que o resultado do jogo sirva para diminuir um pouco meu mau-humor e, conseqüentemente, a tornar meio descabida esta minha coluna. Oxalá.

Não sei como essas coisas são decididas, se há uma terapia de grupo comandada pelo sr. Caio Júnior ou se simplesmente o inefável Kléber Leite (homem de imprensa, no final das contas) baixa uma instrução e todo o grupo passa a repeti-la. Mas, de umas semanas para cá, fato é que todo o mundo, na Gávea, passou a repetir que a hecatombe de 7 de maio de 2008 “já é passado”, “é página virada”, “nós já até esquecemos”, e que o negócio agora é o Brasileiro.

Essa auto-complacência dos que foram os autores de um dos maiores vexames da história rubro-negra engendra situações insólitas. Como o atrevimento do goleiro Bruno ao criticar a torcida do Flamengo por pegar no pé do Jaílton. Em reportagem recente, o camisa um adverte, em tom de ameaça, que “se a torcida continuar desse jeito, não vamos conquistar o Brasileiro”. E ainda se acha no direito de dar lições a quem carrega, no inconsciente, a lembrança de um Andrade, um Uidemar ou um Biguá na mesma posição que o limitado peixe do Ney Franco: “ele é muito importante para o time, não é possível que [a torcida] não consiga entender isso”.

Perdão. Deve ter alguma coisa no meio do caminho que eu não entendi. Mas a torcida fez a parte dela naquela noite trágica de 7 de maio -- coisa que Bruno e seus companheiros não fizeram. O mesmo se diga do sábado passado, quando finalmente parecia que tinha chegado o momento de voltar a apoiar o time: nós voltamos a comparecer, e Bruno e seus colegas voltaram a ser goleados dentro de casa, por time estrangeiro, diante das barbas perplexas de 50 mil rubro-negros.

Portanto, se alguém está em condições de dar advertências aqui, não é nem Bruno nem qualquer um dos membros do atual elenco. A torcida do Flamengo nunca deixou de comparecer e de apoiar quando se precisou dela. Os jogadores, sim, falharam quando precisaram provar que não eram apenas um time à altura do Campeonato Carioca. Ao contrário de Bruno, ninguém aqui na torcida esqueceu disso, e eu próprio não posso deixar de concluir que as tribulações pessoais do goleiro -- que agora se compraz em bater boca com tricolores -- não se devem a outra coisa senão à incompetência, sua e de seus companheiros, em seguir adiante na Libertadores e impedir que o Fluminense chegasse aonde chegou.

Até admito que não deve ser saudável os jogadores ficarem remoendo eternamente o que aconteceu contra o América. Bola para a frente, que o Brasileiro é obrigação. Mas simplesmente esquecer, como neguinho anda dizendo que esqueceu, tampouco me parece produtivo. Acaba dando nisso aí: nos responsáveis por um dos maiores vexames da história rubro-negra agindo como se não tivessem nada a provar à torcida.

E vocês, ó Bruno, ainda têm muito o que provar a esta torcida, que não precisa provar nada a ninguém.

15 de jun. de 2008

DUAS DÉCADAS DE FREGUESIA

Foi no ano da Graça de 1988, há duas décadas completas. O Presidente da República atendia pelo nome de José Ribamar Sarney, mas ninguém tinha votado nele: não se votava para Presidente havia exatos 28 anos. A União Soviética estava viva e bulindo, e o Muro de Berlim era um impávido colosso. Em Roma, para se ter uma idéia de quanto tempo faz, Sua Santidade, o Papa João Paulo II, ainda se fazia chamar "o Papa-Atleta". O aiatolá Khomeini era figurinha fácil nos noticiários, e seus cornos furibundos estampavam uma bandeira insólita da Torcida Jovem do Flamengo ("a bênção, aiatolá / nosso povo te abraça").

Cá no Brasil, a moeda da semana era o cruzado, mas não ia demorar a ser substituída pelo cruzado novo. Em Brasília, 559 ilustrados cavalheiros (entre eles o sr. Márcio Braga) elaboravam uma Constituição que legislou até sobre o Colégio Pedro II, e que estabelecia bases tão sólidas para o desenvolvimento nacional que teve de ser emendada 62 vezes em vinte anos. O Prefeito da mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro era o sr. Roberto Saturnino Braga, que um belo dia, com a cara mais lavada deste mundo, decretou a falência do município que ele próprio administrava.

Por esses dias, assunto de mulher era a novela Mandala, com uma Vera Fischer inteiraça a merecer as melhores homenagens dos que andávamos pela casa dos doze, treze anos. Ouviam-se coisas esquisitas no rádio, do gênero A-Ha, RPM ou Suzanne Vega -- que cantava, segundo consta, sobre uma moça a quem apetecia levar porradas do namorado. Havia também The Killing Moon, do Echo and the Bunnymen, e o excelente The Joshua Tree, do U2, para equilibrar um pouco a coisa.

No esporte, fora do futebol, o grande ídolo pátrio era Ayrton Senna da Silva, que muito em breve conquistaria seu primeiro campeonato mundial. Houve também espaço para os quinze minutos de Aurélio Miguel Fernández, o único brasileiro a voltar da Coréia com uma medalha de ouro no pescoço.

No futebol, Diego Maradona e Ruud Gullit disputavam o posto de melhor do mundo, e aqui ainda reinava soberano, apesar do joelho, Sua Majestade, o Rei Arthur Antunes Coimbra. O técnico da seleção brasileira era Carlos Alberto Silva, cujas grandes façanhas foram empatar com a Noruega e voltar de Seul com uma medalha de prata, pequeno consolo para o esforço de jovens promessas como Taffarel, Bebeto e Romário.

E foi nesse mundo distante e esquisito que, pela última vez, em 22 de junho de 1988, faz duas décadas, o Club de Regatas Vasco da Gama conquistou seu último título em cima do Flamengo.

De lá para cá, foram derrotados pelo Flamengo em quatro finais cariocas, mais uma final de turno que nos valeu o estadual (e mais um vice para eles), além de uma decisão da Copa do Brasil que, para eles, era o jogo de todos os tempos, a mãe de todas as batalhas, e que nós vencemos sem muito esforço. Em muitas dessas ocasiões, o pândego dirigente deles garantia que o título estava no papo e que o chope já estava comprado (deve ter azedado, depois de tanto tempo).

Este dia há de ser a data nacional do Vasco da Gama. É o Grito do Ipiranga deles, a Tomada da Bastilha, está para sua história assim como os 3 x 0 sobre o Liverpool estão para a nossa.
Nessas condições, manda a educação e a boa vizinhança que os cumprimentemos por façanha tão maiúscula, que ora completa seu jubileu de porcelana.

Quem quiser, que fique à vontade para encaminhar estes meus cumprimentos a todos os vascaínos de suas relações.