16 de set. de 2003

PELÉ, ZICO E O RESTO

Definitivo: Pelé dixit. "O Maradona não é unanimidade nem na Argentina. Primeiro tem que resolver a questão doméstica com Di Stéfano. Nesses anos todos, o jogador que mais se aproximou de mim foi o Zico."

Foi numa entrevista ao Esporte Espetacular de domingo passado. Claro que, além da comparação entre Pelé e Zico, a outra que se depreende das palavras do Rei -- Zico x Maradona -- é pertinente, envolve dois gênios absolutos e foi, de resto, a grande polêmica de fins dos anos 70, início dos 80.

Como o Pelé, sou mais o Zicão.

O problema está em comparar o Zico com estrelas menores (bem menores, e com a língua presa) do nosso futebol, como andou ensaiando a Placar há um par de anos. Mas o Rei falou, Pelé dixit: abaixo dele, é Zico e não tem pra ninguém.




11 de set. de 2003

FALTOU MÃE

“Zico é um caso raro no futebol. Como poucos conseguiu se colocar acima de rivalidade e bairrismo e se tornar quase unanimidade em todo o planeta. É mais fácil encontrar pessoas que questionem Pelé do que Zico.

Assim começa a excelente entrevista de Wagner Vilaron com o Zicão, publicada pelo Estado de São Paulo hoje. Vale muito a pena ler, sobretudo por uma explicação que, acho eu, o Zico nunca tinha dado: o episódio do corte do anão marrento, em 1998.

Conta o Galinho que foi ele quem pediu à comissão técnica que tivesse paciência com o anão, que esperassem algumas semanas para ver se ele se recuperava. Quando ficou claro que o marrentinho não teria condições de jogar a Copa, toda a comissão técnica tirou o corpo fora, com medo de dar a notícia ao mais insuportável de quantos jogadores vestiram a camisa amarela (e aí incluo gente finíssima do quilate de Marcelinho Carioca, Serginho Chulapa e Paulo César Caju).

“O problema é falar com ele? Então pode deixar. Fui lá e falei.” Pronto: o anão despeitado inventou aquela história estapafúrdia de que o corte foi perseguição do Zico -- conversa mole, aliás, prontamente reproduzida por alguns jornalistas assalariados (no sentido que Chateaubriand emprestava ao termo) do Rio, marionetes bem remuneradas da assessoria de imprensa do anão.

Sobre o maior de todos, o mais querido de todos disse o seguinte: “Essa história de ficar comparando com Pelé acabou com a carreira de muita gente. As pessoas levam isso a sério e acabam cobrando o jogador como se ele fosse mesmo o Pelé. É absurdo sujeitar um garoto a esse tipo de cobrança, de comparação. O cara não vai segurar a onda mesmo”.

Verdade, Zicão. Mas, se alguém um dia chegou perto disso, foi você, meu Rei.

Enquanto isso, eis aí o Ronaldinho a pedir estatísticas sobre os gols de Pelé e a fabricar factóides prontamente reproduzidos e defendidos por bobos-alegres da Folha (sempre a Folha). Numa seleta roda de amigos, disse eu que faltava ao Ronaldinho alguém como aquele soldado que acompanhava os generais romanos que regressavam triunfantes à Cidade Eterna. Ao lado do general hierático, estátua de si mesmo, ia um soldadinho soprando-lhe ao ouvido: “memento moris” -- lembra-te de que és mortal.

O Pelé não é, rapaz. Você é.

Se até o Zicão pode reconhecer, para que essa palhaçada agora?

Acho que não faltou o soldadinho, não. Faltou foi o bom-senso materno. Faltou quem dissesse: “Meu filho, pra que essa besteira? O que você ganha com isso?” Faltou mãe.

Dona Sônia, cadê a senhora?

2 de set. de 2003

OS MEUS FLAMENGO x CURINTCHA



Acredito seriamente que um dia Flamengo x Curintcha será o superclássico brasileiro, aquele que os torcedores aguardam um ano inteiro -- suplantando, assim, clássicos regionais como Flamengo x Vasco e Curintcha x Parmera. De modo que a vitória rubro-negra de anteontem, por insípida que tenha sido, merece no mínimo um registro, pelo menos como ponto de partida para minhas reminiscências de outros Flamengo x Curintcha.

Quem me ouve vituperar contra o Curintcha há de pensar que clube tão escroto alguma vez foi responsável por algum trauma meu. Pelo contrário: estive em três Flamengo x Curintcha. Nos três batemos os gambá de goleada.

O último foi um 4 x 1, em 1998, se não me engano. De um lado, o desfalque de Romário -- para variar de fora, com dorzinha na panturrilha, na barriguinha ou no útero. De outro, o líder incontestável do Brasileiro, comandado pelo intragável mas competentíssimo Wanderley Luxemburgo. Foi o maior jogo da carreira do Iranildo. Saiu aclamado, aos brados de "Chuchu é Seleção". Desnecessário dizer que Iranildo nunca mais jogou aquilo tudo e hoje mostra seu futebol refinado no Brasiliense de Luís Estêvão.

Outro foi aquele dos 5 x 2, acho que em 1994. O Zagallo, então técnico da Seleção, foi ao Maraca para ver Sávio. Viu Magno. Se não me trai a memória, Magno meteu três gols e o Sávio deu um passeio de 90 minutos pela Avenida Gralak. Naquele ano, o Curintcha seria vice-campeão, suplantado pela classe superior do maior rival.

Mas o primeiro -- ah! o primeiro... Eu tinha sete anos, fui ao Maraca levado pela mão do meu pai. 1983, tempos de Zico, Júnior, Leandro e Raul. Estreava no comando do time o Carlos Alberto Torres. Do outro lado, aquela mulambada de sempre de Biros-Biros e Casagrandes. Transcorridos 90 minutos, o placar estampava 5 x 1. Mas houve outros três gols rubro-negros, injustamente anulados.

Neste ponto, ergo a fronte e digo para quem quiser ouvir: senhores, eu vi o Flamengo meter OITO no Curintcha.

***

Ontem à noite meu amigo André Dória me chamou para ver preciosidades que ele tinha descoberto em fitas de vídeo. Após assistir a dois episódios do Documento Especial -- uma porrada na cara do telespectador ainda hoje, passados 16 anos --, a surpresa: Brasil x Irlanda do Norte, 1986.

Zicão com a bola pela direita. Nenhum irlandês consegue chegar a um metro do Galinho. Bola para Careca. Bola para Zico na entrada da área. Dois irlandeses acossam o Zicão. Foi como se a bola nunca tivesse chegado nele: com o calcanhar, a bola volta, num átimo, para Careca com o arco escancarado pela frente. Gol do Brasil.

Muita coisa passou pela minha cabeça na hora. Lembrei de como era mais genuína a alegria do povo com sua Seleção. Nossos jogadores eram nossos jogadores, o Zico era do Mengão, o Careca era do São Paulo, o Josimar era do Botafogo.

Mas a conclusão que ficou mesmo, vendo o toque de calcanhar do Zico, vendo o botafoguense Fernando Vanucci desmanchar-se em elogios os mais rasgados ao ídolo rubro-negro -- o que ficou mesmo foi o seguinte: senhores, nunca haverá outro igual.

***

Um dos meus sete leitores, Renato Freire, recentemente botou no ar mais um blog rubro-negro: Homem Gol. Não fosse eu um analfabeto em HTML, faria uma coluna de links e o incluiria lá, junto com o Nove Meses, a coluna do Juan Saavedra e demais amigos do Tinhorão. Como sou uma besta, fica pelo menos o registro, com o link no texto.