28 de jul. de 2003

CALAZANS WATCH

O Sr. Calazans gastou 19 das 156 linhas de sua coluna de hoje (cerca de 12%) descrevendo o gol do Marcelinho contra o Santos. Não terá ocorrido a ele que todo o mundo viu esse gol pela televisão? Ou acha que, narrado o gol na precisa e poética linguagem calazaniana, detalhes que até então nos escapavam por completo ficarão para sempre gravados em nossas memórias?

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Outras 67 linhas (cerca de 42% da coluna) são utilizadas no desenvolvimento das seguintes idéias, cuja complexidade evidente bem justifica o dispêndio de quase metade do espaço disponível:

1) O México é muito ruim.

2) O Brasil perdeu do México.

3) O Brasil é um time ruim.

4) Se o Sr. Calazans diz que o Brasil é um time ruim, é porque seus padrões são elevados.

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Sou só eu ou alguém mais também acha que esse espaço precioso do jornal seria menos desperdiçado com notícias sobre badminton, pólo aquático ou chicotinho-queimado?

21 de jul. de 2003

A LEANDRO E O TÚMULO DO SAMBA


Guarulhos, 4 de março de 2003

Diante da derrota rubro-negra de ontem, não estou com paciência para escrever sobre futebol. Meus leitores hão de me perdoar, portanto, se eu me desvio do tema precípuo deste blog para achincalhar um pouco a antipática Leandro de Itaquera e, por meio dela, o carnaval do Túmulo do Samba, São Paulo.

A foto acima foi tirada na terça-feira de carnaval de 2003. Terça-feira gorda, portanto. O local: Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde um atraso de umas três horas no vôo que o levaria ao Rio de Janeiro garantiu ao Tinhorão a pior terça de Carnaval de sua vida. A cena: diante da mais absoluta falta do que fazer em plena terça-feira gorda, paulistanos aglomeram-se na janelinha do aeroporto para ver avião levantar vôo -- o mais emblemático programa de paulista, mais até do que o frango com macarronada vendo Silvio Santos.

A foto é mais eloqüente sobre o Carnaval paulistano do que eu jamais poderia ser.

Nos comentários ao post abaixo, um tal Professor Emerson Nunes, identificando-se como “jornalista responsável do GRC Escola de Samba Leandro de Itaquera” (whatever that means), expressa sua indignação pelo tratamento dispensado por este cronista “à nossa Vermelho e Branco (sic) da Zona Leste” e assevera, “em caráter explícito” (sic), que eu não entendo nada de carnaval e nem conheço a Leandro de Itaquera.

Pelo menos acertou em seu último palpite: não conheço e não faço questão nenhuma de conhecer. Em matéria de carnaval, sou da Estação Primeira e só respeito escola que desfile na Sapucaí. Essa conversa de desfile de escola de samba em São Paulo tem tão pouca credibilidade que os desfiles começam na sexta-feira -- antes, portanto, de começar o Carnaval. Um aquecimento razoável para o Carnaval de verdade, no más.

Mas voltemos à Leandro de Itaquera e ao Professor Emerson Nunes. O catedrático paulistano mente descaradamente ao afirmar que a Leandro de Itaquera “desde 1989 pertence ao Grupo Especial da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo”. Na verdade, foi rebaixada ao Grupo 1 (a segunda divisão do samba paulista) em 1995, e lá permaneceu por um ano. Não que eu dedique grande respeito às escolas que pertencem ao tal Grupo Especial de São Paulo: Mocidade Alegre, Unidos do Parque Peruche, Rosas de Ouro, Gaviões da Fiel, Leandro de Itaquera -- todas essas agremiações, para padrões cariocas, não passam de blocos grandinhos, ou de cordões gigantes. No Rio, seriam rebaixadas do Grupo de Acesso. O Boi da Ilha dá de goleada.

Mais sobre a Leandro de Itaquera: este ano, a escola prometeu levar à avenida um casal “simulando cenas de sexo explícito” (sic). Aparentemente não ocorreu ao Professor Emerson que ou é simulação ou é explícito. Os dois não pode ser.

Mas impagável mesmo foi o samba-enredo que eles tiveram o desplante de apresentar. O tema que tiraram da cartola foi “qualidade de vida: direito do povo” -- tema que eles conhecem só de ouvir dizer, já que moram numa cidade onde qualidade de vida é uma aspiração tão distante quanto a cura da AIDS é para o resto da humanidade. O sambinha tem versos inacreditáveis como os que se seguem, que, no Rio, garantiriam uma viagem sem volta para a terceira divisão do samba:



Viver é sempre uma arte
Hoje a humanidade está à procura de alegria
E a Vermelho e Branco vem mostrar
Que é preciso bem estar, mais qualidade de vida
[...]
Não quero mais pobreza
Nem tampouco a natureza
Sofrendo tanto mal
E aqueles que só pensam em lucrar
Um dia vão ter que mudar



Os versos -- como a foto acima -- falam por si sós. O Professor Emerson Nunes jura que eu não entendo de samba, mas ele, entendido auto-proclamado, acredita piamente que isso aí em cima é samba. Para o meu gosto, samba é Bumbum Paticundum Prugurundum, é Ziriguidum 2001; samba é o da Mocidade de 1991 (sonhar não custa nada / E o meu sonho é tão real), é o da União da Ilha de 1982 (Será que eu serei o dono desta festa / Um rei no meio de uma gente tão modesta) ou o de 1978 (a cigana leu o meu destino), é o da Estação Primeira de Mangueira de 1986 (Tem xinxim e acarajé / Tamborim e samba no pé).

Disparidade de critérios não costuma ser motivo suficiente para proclamar que o outro não entende nada de determinado assunto. Mas, no caso presente, a julgar pelos versinhos que ele jura serem a quintessência do samba, e a julgar pelos padrões por que eu costumo avaliar os méritos de uma escola (delineados acima), acho que eu é que estou em condições de asseverar, com o ar mais grave deste mundo, que o Professor Emerson Nunes não entende porra nenhuma de samba.


8 de jul. de 2003

ÉS O ALTAR DOS NOSSOS CORAÇÕES



Posso estar citando o Nelson Rodrigues com demasiada freqüência, mas o nosso maior cronista e dramaturgo descobriu uma daquelas verdades eternas quando se saiu com essa do Óbvio Ululante.

Com a licença do Nelson, então, volto a usar o Óbvio Ululante como gancho para o meu raciocínio.

Que o Rio de Janeiro, com todas as suas mazelas, é a única cidade brasileira que pode pretender sediar os Jogos Olímpicos sem cair no ridículo é de uma obviedade que chega a ofuscar. Sendo um pouco pedante, eu diria que o Rio é a nossa única world class city. A candidatura de São Paulo era um exotismo que ainda merece estudos sérios de psiquiatras e sociólogos, para não falar de especialistas em finanças públicas (sim, pois despender dinheiros públicos num projeto lunático desses justificaria uma investigação mui criteriosa do Tribunal de Contas de São Paulo, quem sabe até uma CPI).

Com todo o seu dinheiro e toda a sua pujança, São Paulo não é mais do que uma megalópole do terceiro mundo, como tantas outras que crescem como cogumelos ao sul do Trópico de Câncer. E pretender que São Paulo possa sediar os Jogos Olímpicos equivale a defender direito semelhante para Bombaim, Jacarta ou Karachi -- todas elas superpovoadas e com marcas de uma opulência relativa, arranha-céus de vidro e franquias da Louis Vuitton, mas todas elas iguaizinhas em seu terceiro-mundismo.

O Rio também é terceiro mundo, mais do que São Paulo. Mas, senhores, o Rio é o Rio! O Rio é o tráfico, as balas perdidas e as crianças no sinal, mas o Rio é também o Maracanã, Copacabana, Ipanema e Leblon. O Rio é Vinícius de Morais, Cartola, Pixinguinha, Chico Buarque e a Estação Primeira. O Rio é Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Lima Barreto, é até bastante Carlos Drummond. O Rio é o Fla-Flu, é o Cristo Redentor, é o poente do Leblon (o Rio é a única cidade do mundo onde se batem palmas para o pôr-do-sol). É o Paço Imperial, a Candelária, a Igreja do Carmo (onde se coroaram dois Imperadores) e o Palácio do Catete (onde um Presidente meteu um tiro no peito).

De onde São Paulo pode tirar méritos semelhantes para concorrer com o Rio é coisa que me intriga. A Praça da Sé, o Viaduto do Chá e o Grêmio Recreativo Escola de Samba Leandro de Itaquera? Tenham a santíssima paciência! Se o assunto é insegurança e o único mérito de São Paulo é uma normalidade fictícia, nesse quesito ela perde de goleada para absolutamente todas as demais concorrentes. Seria uma candidatura natimorta, como foi uma pré-candidatura abortiva.

Por essas e outras, e após ouvir as recentes declarações da Excelentíssima Senhora Prefeita de São Paulo, pondero e obtempero:

Tumdumdumdumdumdumdumdumtumtumtumtum

Ei, Martha, vai tomar no cu!